Miniatura Tudo o que a boca come

Tudo o que a boca come

Tudo o que a Boca come de Miriane Figueira

 

Texto de Thiago Hoshino

“Santo também come.
Exu é santo,
mas nem tanto.
De santo só leva o nome.
De tudo o que a boca come, come Exu. Carne, azeite, farinha e ainda mais. Uma vez, dizem os antigos,
até os próprios pais.
Tanto faz se cozido, se morno, se cru.Enúgbárijo, a boca coletiva, prova de cada axé um pouco: sangue, suor, saliva.
Lágrima faz parte…
A vida da gente é dura.
Que eu aprendi, desde bem cedo, preparo não falta de moléstia,
tem mais receita que cura.
Não é ainda o tempo do teu ABC, mas logo vou avisando:
cada prato tem sua bula,
seu fundamento, seu (en)canto,
lá do tempo dos tatara,
do negro malê, negro banto.
E santo quando trabalha, haja gula! Saco vazio nenhum pára,
se cai, só mesmo alevanta
é com remédio de garrafada. Reclamar, eu? Reclamar não adianta: o pouco com Deus é muito,
o muito sem Deus é nada.
No fim sobra mesmo pra Akossi
no corpo de alguma vodunsi.
Tu conhece doburú?
Pipoca que não se come, se tira. Quem diz que come, é mentira! Outras coisas, sim, o povo serve: carurú é de lei, manjar doce
– só conto porque tu é precoce –
aí é que a festa ferve!
Acarajé: hambúrguer de africano, na mesa do pobre, que é um pano estirado sobre a dississa.
É tudo comida mestiça,
como mestiça foi tua avó.Omolocum de feijão fradinho,
às vezes, eu mesma cozinho.
faz um cheiro gostoso que só. Mas se mata a fome, dá sede.

E a gente oferta, quando ele pede, sentando e bebendo junto, que ninguém ainda é defunto! Coitado de quem faça troça: olha, o sistema aqui da roça
é de quase nenhum trelelê.
Eu pouca coisa sei por mim,
o mais que alembro foi assim, no bater do pajubá, feito agora. Quem bem ouve, menos chora. Então, escuta essa velha egbômi, meu filho: santo também come.”